quarta-feira, 16 de abril de 2014

O Vidro

Caiu o vidro... sim, um vidro grande e translúcido, que reflete a luz da vida lá fora.. ou lá dentro. Desta vez não é o pano pesado e empoeirado do palco. E também não são "eles", somos nós. Nós pessoas, nós vidas, nós reais. Desta vez não vai chegar o aplauso, o bravo, a pateada. Nada! Desta vez é assim, só assim, assim mesmo imutável e friamente real.
Há vida, há morte, há dia e noite e Verão e Inverno e tudo aquilo que queremos e não queremos ver. Que queremos ou quisemos, ou já só desejamos, deste lado, poder observar como era, como foi, como é... do outro lado.
É a esquizofrenia do terceiro elemento, que não é alma, nem corpo... É a amarra deste lado de onde já nem sabemos se teremos coragem de sair, ou sequer se o poderemos. Adensam-se medos, amontoam-se dúvidas. Ouvem-se promessas de crescimento, caminho, verdade. Lêem-se, nos lábios dos outros, o amor.. aquele amor que juramos negar com a mesma força com que por ele gritamos. Para que não se vá, para que nos ouça, para que ignore esta hermética barreira que criámos em segundos, atrás da qual nos tentamos esconder e pretendemos ignorar, recordando o grito da mãe ou do pai, quando a onda era maior.... "Baixa-te"! E funcionava... a onda passava e nós, pela inconsciência só perdoada pela idade, riamos divertidos. Afinal não tinha acontecido nada.
A onda enrola, fere, assusta... O vidro também!
A onda não é nossa, não a pedimos, não a escolhemos, nem a podemos agarrar.
E o vidro?

segunda-feira, 24 de março de 2014

Tudo (para estar vivo)

Vem devagarinho, abraçar os meus sonhos, espiar a minha alma, ouvir o bater do peito nu que te espera e anseia. Leva-me para longe de mim e voa comigo para dentro de nós. Abre essas asas que me protegem e faz-me acreditar que a chuva não volta, que é seguro sair, que o sol virá visitar-nos e enfrentar, tímido, o brilho dos nossos olhos. Faz-me crer no suor de dois corpos que não descolam, na respiração que se funde, no olhar que nos invade, no sorriso que arrebata, nas borboletas que nos sufocam e inundam a alma com todas as cores.

Não sei pedir pouco, não sei ser pouco, não sou metade, não sou menos do que tudo o que sonho. Quero alcançar a dimensão daquele sonho, o último, o maior, o que me move e arrasta pelas vielas mais estreitas, à sua procura. É por esse que me perco, é por ele que acordo, respiro, vivo e sinto em cada recanto de mim a vontade de o ter, de o viver, de o agarrar com a força do mundo nos meus braços. 

Só assim vale a pena, só assim se vive, só assim sou feliz.
Quero o mundo, talvez! Quero mais, talvez! Quero sempre, talvez! Quero tudo, talvez!
Menos que tudo é quase nada, e quase nada é morrer lentamente inebriado pela ilusão de que algo é nosso.
E ainda que tudo falhe, e eu não o alcance, viverei feliz por persegui-lo e morrerei a sorrir por tê-lo feito.